Configuração e suporte ruins afetam quem compra PC com Linux


Dois anos e meio após as primeiras máquinas chegarem a grandes varejistas, o que se vê é um programa que, mesmo como um dos incentivadores de um setor que cresceu 21% em 2007 atingindo 9,98 milhões de PCs vendidos, enfrenta turbulências na maneira como o Linux chega aos usuários finais.

Usuários ouvidos pelo IDG Now!, que compraram máquinas certificadas no programa Computador para Todos, relataram problemas pontuais em equipamentos que chegam mal configurados e sem suporte adequado para o uso dos sistemas abertos.

O caso do engenheiro de produção Jorge von Atzingen é o mais extremo entre centenas de clientes do programa que, em blogs e fóruns de discussão na internet, detalham como a interação com o micro foi prejudicada.

Jorge comprou um desktop da Novadata com a distribuição Insigne 3.0. Ele ligou o micro e percebeu algo errado ao notar que “as portas USB não estavam instaladas. O modem não estava instalado. Tinha uma gravadora de CD, mas nenhum programa para gravar CD”.

Ao invés de apelar para o suporte técnico, obrigação por um ano de todas as fabricantes homologadas pelo Governo Federal no programa Computador para Todos, Jorge tentou resolver sozinho com o CD que acompanha o equipamento.

“Coloquei o CD no drive, que rodou automaticamente. Só tive de clicar em ‘Avançar’ repetidas vezes para que os drivers fossem instalados e o micro começasse a funcionar corretamente”, relata em entrevista.

Classificado como mal configurado por uma suposta falta de cuidado da fabricante, o micro ainda acolheu a distribuição por duas semanas, até que ele a trocasse pela brasileira Kurumin e, posteriormente, pela Mandriva 2007. "A empresa (Novadata) parecia não estar preocupada se a gente ia continuar usando Linux ou não", acusa.

Jorge não está sozinho nos problemas enfrentados. Allan Alves foi ajudar um amigo na compra do seu primeiro computador – acabou escolhendo um modelo da Itautec com a distribuição Mandriva.

“Não estava mal configurado: simplesmente não estava configurado, nem funcionava o WinModem que veio dentro dele”, relata o usuário dentro da comunidade BR-Linux, que reúne entusiastas do código livre.

Após formatar a máquina, Allan instalou o sistema Mandriva 2005 e, após algumas lições básicas para o amigo, “converteu-o” em usuário de sistemas abertos. “Ele diz que se sente em casa e não tem nem vontade de conhecer” o sistema operacional Windows, continua.

Ainda que em menor grau, José Roberto Gomes experimentou a mesma dificuldade em tirar um PC novo da caixa e não poder aproveitar todas as funções adquiridas – a webcam do seu notebook Amazon PC não era reconhecida pela distribuição Kurumin nativamente, o que o obrigou a procurar a solução pela internet.

Mesmo com a solução criada por um programador italiano, a webcam “ainda não está 100%”, conta o consumior. O laptop, segundo ele, tem alguns problemas no som dada a “qualidade do driver para Linux”, que o acompanha.

Tanto no caso de José Roberto como no de Jorge, houve um estranhamento: mesmo que tenham sido comprados sob um programa que exige sistemas abertos, os equipamentos trouxeram CDs de driver tanto para Linux como para Windows, algo visto por ambos como incentivo à migração pirata para o sistema da Microsoft.

Em todos os casos, é inegável a experiência que os envolvidos têm no desenvolvimento de código aberto. Com problemas de configuração à frente, os três usuários se viram obrigados a apelar (Jorge em menor grau) a um certo conhecimento técnico ausente no público-alvo do programa federal.

“Minha irmã tem uma amiga que comprou um PC que veio com Mandriva. Ela mesma acabou ensinando a amiga a usar e, principalmente (dificuldade, em minha opinião, mais comum) instalar um software adicional”, relata Ivan Brasílico, também no BR-Linux, tocando em uma das principais causas para o suposto incentivo de pirataria que o programa pode promover no mercado brasileiro de micros.

“Via de regra, o primeiro conhecido a ‘dar suporte’ decide o destino da máquina. Se for um ‘formatador’ contumaz, vai instalar Windows”, resume Brasílico.

A falta de informações oficiais sobre a suposta tendência de usuários comprarem micros do programa com a intenção de substituir o Linux por Windows faz de qualquer acusação algo mais embasado pelo “achismo” do que por estatísticas.

O único dado oficial que não tenha relação com o número de cópias das versões de Linux distribuídas desde o começo do Computador para Todos vem da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e aponta que 73% dos clientes do programa fazem a troca para Windows.

A estatística virou alvo de fabricantes do setor e de entusiastas do software livre, que questionavam os critérios adotados pela ABES. A entidade informa que ouviu 502 usuários nas cidades de São Paulo e Curitiba, em uma pesquisa cuja amostragem tem pouco valor nacionalmente.

Procurada para comentar a pesquisa, a ABES preferiu não se manifestar sobre os critérios adotados.

No último dado divulgado com o apoio do BNDES, a IT Data estimava que 380 mil computadores homologados pelo programa haviam sido vendidos até outubro de 2006, representando 7,1% de todos os PC vendidos no Brasil nos primeiros nove meses daquele ano.

Quase dois anos depois, os dados estão defasados - estatísitcas de fabricantes, como a Insigne, que diz ter atingido o primeiro milhão de máquinas com seu sistema operacional em Linux, provam o ponto.

Linux em ultraportáteis
Um exemplo recente de popularização do Linux por meio de um novo hardware, desta vez internacionalmente, é um bom indicativo que o problema não está relacionado diretamente com o sistema ser aberto ou não.

Criado na onda de notebooks ultrapórtáteis motivada pela batalha entre a fundação One Laptop per Child e a Intel, o Eee PC, da Asus, traz a distribuição própria de Linux, Xandros, que prima pela simplicidade. É o que afirmam usuários do laptop no Brasil.

“É muito fácil de usar e vem instalada redondinha. Cheguei a considerar colocar o (Windows) XP. Como não iria comprar, seria meio na ilegalidade. Mas, só de imaginar que (o Eee PC) ficaria mais pesado, preferi manter (o Linux)”, relata o professor de matemática Robinson dos Santos, dono de um ultraportátil desde janeiro.

A distribuição é motivo de elogios mesmo para usuários que, por necessidades atendidas pela simplicidade do portátil, decidem alterar o sistema operacional. “O sistema está pronto, com editor de texto e browser, mas a conexão à internet pelo celular não rola”, se queixa a dentista Bia Kunze, responsável pelo blog Garota sem Fio.

Para contornar a impossibilidade de usar seu celular como modem, Kunze pretende trocar o Xandros por Windows XP, por mais que tenha gostado bastante do sistema. Trajetória semelhante teve o jornalista João Nucci.

“É um sistema operacional voltado pra deixar as coisas realmente muito fáceis para os usuários, com ícones gigantes para as principais atividades”, explica. “Como tenho experiência com o Ubuntu, desinstalei essa distribuição e instalei o eeeXubuntu. E de fato funciona muito bem, estou bastante satisfeito”.

Muy amigo
Ironicamente, o “amigo/técnico” que sugere a substituição do sistema pré-instalado Linux por Windows está na lista dos principais inimigos de João Pereira, presidente da Insigne Software, responsável pela distribuição de mesmo nome, que é popular entre micros do Computador para Todos.

Responsável por outra distribuição bastante conhecida dentro do programa, a MetaSys foi procurada pelo IDG Now!, mas não retornou contatos.

“O primeiro é o vendedor mal informado - 90% não têm PC em casa e fica difícil falar de algo que você não usa. O segundo é o técnico mal intencionado, que dá cartãozinho oferecendo instalação pirata. E o terceiro é o amigo que acha que entende”, relata Pereira, afirmando que, por estes últimos, a Microsoft conseguiu ter milhares de “consultores gratuitos”.

Em um mercado onde enfrenta a desconfiança do usuário médio frente à dominação do Windows, o Linux pode encontrar o caminho do crescimento na educação de vendedores e usuários. Na avaliação de Pereira, a falta de conhecimento pode ser benéfica ao sistema do pingüim.

“Se um usuário nunca mexeu em computadores, então ele não conhece o Windows do mesmo jeito que não conhece o Linux”, argumenta, explorando as oficinas de instrução que a Insigne montou em São Paulo para ensinar as funções do sistema a clientes.

A malícia de vendedores e técnicos mal intencionados também terá de ser combatida com campanhas de conscientização, num “trabalho de formiguinha”, segundo Pereira, que vem sendo feito por alguns responsáveis por distribuições de Linux.

O presidente da Insigne ainda esclarece que a prática de entregar CDs com drivers do Windows é uma prática da distribuidora para dar opção ao usuário de instalar o sistema que preferir na sua máquina.

Cursos pós-compra estão entre umas das sugestões que entusiastas do Linux ou compradores de primeira viagem sugerem como necessários à maior adoção dos sistemas abertos, junto a uma melhor documentação do sistema.

Materiais de instrução criados e organizados pela própria comunidade de software livre, como o Guia Foca GNU/Linux ou o SuporteLivre.Org, estão entre os lembrados por Jorge ou por Augusto Campos, criador do BR-Linux, como possíveis ferramentas para melhorar a compreensão dos sistemas em Linux.

Não há curso ou “amigo/técnico”, porém, que mude a mentalidade de usuários já acostumados com o Windows que, por outro lado, até nutrem certa simpatia pelo sistema aberto, como a assessora de imprensa Luciana Sanches.

“Pra falar a verdade, eu não quis ter muito trabalho. Como eu tava acostumada com Windows, desinstalei e nem cheguei a usar o Linux”, relata, falando sobre o notebook da Positivo que ganhou do marido no Natal de 2007.

“Nas duas vezes em que usei, achei (o Linux) bem parecido. Deve ser fácil (de mexer), mas queria ter tempo pra aprender”. Ao contrário do que cantaram os Rolling Stones, definitivamente, o tempo (também) não está ao lado do Linux.