Varejo se divide entre elogiar Linux e incentivar migração para Windows


Não haveria melhor maneira de medir a forma como os lojistas vêm oferecendo os equipamentos do programa Computador para Todos do que visitar alguns dos maiores varejistas brasileiros atrás dos micros com Linux e financiados pelo governo.

Usando o argumento de que precisaria comprar um PC para usuários com pouca intimidade com computadores (os pais do repórter, no caso), a reportagem visitou lojas das redes Carrefour, Ponto Frio e Extra, três grandes varejistas com PCs vinculados ao programa do governo.

A rede Casas Bahia também foi visitada, mas atendentes informaram que a cadeia tem um acordo de exclusividade com a Positivo Informática e vendia apenas micros com o sistema Windows Vista.

O que se apresentava apenas como acusações nos discursos de entusiastas e desenvolvedores de distribuições de Linux se provou verdade na primeira parada. No Carrefour, o vendedor P. recebeu o repórter com uma série de fatos errados salpicados por uma sinceridade inoportuna.

“O Linux até pra gente é difícil de trabalhar. Pelo menos bastante gente já falou que é mais difícil trabalhar com Linux. Tô dizendo que é pior? Não também. Só que o brasileiro está muito acostumado com a Microsoft, desde o Windows 95”, afirma, explicando a suposta “rejeição a outros sistemas operacionais”.

Ao expressar uma preocupação premeditada sobre dar um PC com Linux aos pais fantasiosos, o vendedor compara a compra de um micro do programa com a preparação de um peixe.

“Você vai fazer um peixe. O peixe saiu barato, mas, de repente, o molho que você vai usar não é. E por quê? Porque não é simplesmente tirar um e colocar outro, principalmente Linux. Linux tem que mexer em placa e em tudo. Se for pra tirar um e colocar o outro, tem que ser o Windows”, citando o XP como melhor opção.

Questionado se o volume de reclamações dos usuários é alto frente ao número de micros com Linux vendidos, P. reitera sua crença de que o Linux “é difícil até pra quem conhece informática” e confirma um número alto de reclamações, como que tentando convencer o repórter a apelar para PCs com Windows.

E qual é a distribuição Linux? Ele não sabe – responde, obviamente, Linux. Um segundo vendedor se aproxima e, encostado em caixas de impressora, encara a conversa entre o vendedor e o repórter – é hora de ir embora.

Próxima parada, Extra. No segundo andar da ampla loja próxima à Avenida Paulista, não há quase vendedores pelos corredores apertados onde laptops e desktops se enfileiram em prateleiras de metal. O repórter se aproxima de um vendedor que atende uma senhora de seus 50 anos e pede ajuda.

Explico meu desejo de comprar um PC para meus pais e peço os mais baratos da loja. Ele toma o sentido contrário das prateleiras e, debruçado sobre um micro antigo, usado como terminal de acesso para preços, me detalha um micro da NovaData. A empresa enfrentou problemas financeiros a ponto de ter sua falência decretada por credores, mas continua a ter micros próprios nas prateleiras.

Não comento o assunto e o vendedor J., mais experiente que o concorrente do Carrefour, se mostra bastante informado sobre as particularidades do Linux.

Fala sobre o OpenOffice sem citar seu nome (“você não vai precisar do Office”), elogia a usabilidade do sistema (“é que você não conhece, mas é mais fácil que o Windows”) e apela para a inegável superioridade de segurança em relação ao sistema da Microsoft (“não pega vírus”).

O repórter reitera sua preocupação e, meio incomodado pela duração do atendimento enquanto outros clientes andam a esmo entre as prateleiras, J. começa a se desvencilhar, dizendo que os micros do Computador para Todos vendem bem e não registram muitas reclamações.

Aperta a mão no repórter, deixa o ponto de atendimento e, antes de contornar uma pilha de caixas com TVs de LCD, olha pra trás, levanta o dedão da mão direita e diz que eu não tenho de me preocupar, que posso ter certeza que o Linux é fácil de usar.

Hora de procurar ajuda em localizações mais populares. Em pleno Largo da Batata, região de grande tráfego de pessoas que chegam das cidades ao redor de São Paulo numa espécie de terminal de ônibus, o Ponto Frio quase divide portas com a rival Casas Bahia.

Já é final da noite e o segurança cutuca o vendedor para avisar sobre a chegada do cliente. Assim que me identifico e lhe conto sobre o motivo da visita, M. emenda o preço do PC mais barato e vai falando - sem espaço para interrupções - sua configuração.

O modelo que ele detalha é completo. "Quero apenas a CPU", aviso. No terminal da loja, ele mostra a configuração de um micro da Toshiba, em último dia de uma promoção que torna seu preço centenas de reais mais barato do que supostamente é cobrado normalmente (não caia nessa, ok?).

"E qual é o sistema Linux?", pergunto. “Ah, é normal, né?”, diz M..

Quando questiono se o micro é fácil de usar, o vendedor logo responde: “É fácil, todo mundo compra e não tem reclamação. Melhor que o Windows Vista.”

"Sério? Vendem tanto assim estes com Linux?", indago surpreso. “Tá acabando", joga o vendedor. "Só tenho duas peças. Vieram 100 peças na semana passada e acabou tudo."

“O Linux você pode trabalhar numa boa com quantas janelas quiser e é antivírus”, continua, criticando a restrição do Windows Vista Starter Edition de permitir apenas 3 janelas e confundindo um pouco a segurança do Linux com o fato de não precisar de software de segurança.

Exponho novamente o medo de entregar um micro com Linux na mão dos meus supostos pais e M., num humor bem justificável por estar trabalhando além das 21h, responde que “ninguém nasceu sabendo.”

Ele percebe o papel nas mãos do cliente com os preços de outras lojas (e onde grande parte da minha apuração está) e argumenta: “Pode procurar que preço igual ao meu você não vai achar (...). Você não vai fechar já?”.

O que mais assusta o repórter não é o estado de espírito de M., o detalhamento do Linux dado por J. ou a sinceridade meio torta de P..

Nenhum deles, em momento algum, ofereceu cópias piratas do Windows para substituição dentro da loja. Isto não significa que a prática, garantida por alguns usuários ouvidos pelo IDG Now!, não aconteça em canais de varejo onde o Computador para Todos é comercializado.

O IDG Now! teve o cuidado de gravar todas as conversas que teve com os vendedores para a redação desta matéria.