OOXML: Decisão sai hoje. Um retrato da situação atual…


Dia 29/03 foi o último dia para que os países membros da Organização Internacional para Padronização (em inglês: International Organization for Standardization — ISO) pudessem rever ou confirmar o voto dado na primeira rodada do processo decisório relativo à padronização do controverso formato de arquivos proposto pela Microsoft, o Office Open XML (OOXML), ocorrida em setembro de 2007. Ao todo, 157 países foram convocados para decidir definitivamente se aceitavam que o OOXML fosse declarado um padrão ISO, através de um processo conhecido como fast-track, possível apenas porque o padrão proposto já é um padrão ECMA.

Assim como o Brasil, Canadá, Cuba, França, Japão e Índia — para citar apenas alguns — já haviam se manifestado contra a padronização. Especialmente a posição da França teria sido uma surpresa amarga para a Microsoft, que, de acordo com diversos observadores, esperava pelo menos uma abstenção, o que não foi o caso: segundo matéria publicada no jornal Les Echos, "a França deverá se unir ao Brasil, à Índia e à Cuba para dizer 'não' à Microsoft". Entretanto, há boatos de que ninguém menos que o próprio Bill Gates estaria em contato com a Associação Francesa de Normatização (do francês, Association Française de Normalisation — AFNOR), no intuito de oferecer "aconselhamento" à associação no que tange à especificação proposta de formatos de arquivos de aplicativos de escritório.

Surpreendente deverá também ser a mudança de um claro 'não' à especificação, para um decidido 'sim' ao OOXML, por parte do Instituto Britânico de Padrões (do inglês, British Standards Institution — BSI). Segundo relatos de observadores do trabalho do comitê executivo do BSI na Inglaterra, somente a IBM teria se manifestado a favor da especificação concorrente, o Open Document Format, que já é um padrão ISO, e se posicionado contra o formato proposto pela Microsoft.

A Associação Suíça de Normas (do alemão, Schweizerische Normenvereinigung — SNV), deverá votar a favor da padronização, segundo informações do portal de tecnologia alemão heise Online, que alega dispor de um documento oficial com essa informação, de autoria do próprio presidente do comitê suíço correspondente (o UK14), Hans-Rudolf Thomann. O processo no comitê suíço teria, no entanto, apresentado irregularidades, uma vez que, segundo uma petição encaminhada aos membros do órgão pela Free Software Foundation Europe (FSFE), "os erros constatados nas mais de 6.000 páginas da especificação poderiam somente, de acordo com o comitê, levar a uma rejeição do formato como padrão ISO." Esse seria o consenso a que a maioria dos membros do comitê teria chegado após a análise técnica da especificação proposta e, mesmo que a direção da SNV, por conta de questões regimentais, não possa aceitar o 'não' do grupo de trabalho correspondente, a associação deveria se posicionar a favor de uma abstenção junto à ISO. "Não se pode admitir a criação de regras novas apenas para aceitar o OOXML."

O presidente do comitê suíço contestou a petição da FSFE com o argumento — que, ao nosso ver, carece de substância — de que ao menos não teria havido nenhuma piora na especificação da Microsoft, e que somente uma tal piora justificaria um 'não' à proposta de padronização. Os comentários do voto anterior da SNV ("Sim, com comentários"), que traziam uma série de sugestões de melhorias para a especificação, não teriam que ser considerados em sua totalidade, e não pesam contra o seu aceite. O voto a favor da proposta, emitido em setembro do ano passado, seria independente dos comentários formulados. Segundo Hans-Rudolf Thomann, somente um voto "Não, com comentários", obrigaria a Microsoft a considerar os comentários e fazer as alterações sugeridas. Por isso, a petição para modificar o posicionamento da Suíça a respeito da especificação não teria substância.

O processo de votação no comitê polonês foi também alvo de acusações de irregularidade, conforme noticiamos recentemente. Neste caso, as acusações são ainda mais graves, contando com nuances "picantes" e um processo de votação totalmente arbitrário. De acordo com informações coletadas do site polishlinux.org, a presidente do comitê executivo do Bureau Polonês de Normatização (do polonês, Polski Komitet Normalizacyjny — PKN), Elżbieta Andrukiewicz, numa situação sem precendentes nos 84 anos de existência do referido bureau, teria escondido uma carta do presidente do próprio PKN, Tomasz Schweitzer, segundo a qual, em vista da falta de consenso entre apoiadores e detratores da especificação do OOXML, sua recomendação para o voto final polonês seria a abstenção. Como se não bastasse, ela ainda teria "orientado" os membros do comitê com o mesmo "slide secreto", sobre o qual um dos delegados do comitê brasileiro escreveu, e que afirma que 98% dos problemas encontrados na especificação do OOXML já teriam sido resolvidos. O autor do referido slide seria um gerente da Microsoft na Holanda. Andrukiewicz obviamente não concordou com nenhuma dessas acusações, e ameaçou processar qualquer um que as revelasse.

Para finalizar, como não se chegou a um consenso somente com os membros presentes, Andrukiewicz permitiu que os votos dos ausentes fossem coletados via email, sem ter entretanto avisado que aqueles que não manifestassem seu voto por essa via estariam implicitamente votando a favor da especificação. Resultado: dos 24 membros do comitê que no final das contas votaram a favor do OOXML, 7 não votaram realmente, 13 votaram contra e 4 se abstiveram. A União Européia já está investigando o processo polonês com base nessas reclamações.

Na Alemanha o processo também foi conturbado. O famoso Instituto Alemão para Normatização (do alemão, Deutsches Institut für Normung — DIN), criador, entre outros, do padrão de papel A4, utilizado no Brasil, publicou o resultado da votação do seu comitê executivo sobre a proposta do padrão da Microsoft. O resultado foi mais do que apertado: 7 votos a favor da manutenção do resultado da primeira votação (de setembro de 2007), 6 contra e 7 abstenções, sendo que o Voto de Minerva veio do presidente do próprio DIN. Esse voto foi decisivo e evitou uma abstenção da Alemanha no processo. O presidente do instituto alemão teria resolvido participar da votação pois não se tratava de uma "questão técnica". O mais pitoresco nessa história é que nem houve a possibilidade do 'não' ao OOXML na segunda rodada de votação na Alemanha. O instituto ressaltou que a decisão técnica do grupo de trabalho, apresentada no ano passado e que teria levado à decisão a favor da especificação, não era objeto de reavaliação, de modo que não seria possível uma rejeição da proposta: somente a abstenção ou a aceitação, que parece ter sido "extraída a fórceps".

A contagem final deve sair hoje (31/03) e vamos acompanhá-la de perto. Entretanto, com a saraivada de irregularidades que vêm sendo reportadas desde o início do processo de submissão da especificação do OOXML à ISO, resta saber se instituições idôneas — muitas delas centenárias — de normatização no mundo inteiro permanecerão incólumes diante do poder econômico, do lobby e do jogo de conveniências de corporações e governos. Padrões são definidos por instituições sem finalidades lucrativas, com o objetivo puro e simples de servir à sociedade e minorar o gap de comunicação entre os seus países membros. Se eles ficam à deriva e ao sabor dos ventos e marés dos interesses econômicos, a sociedade inevitavelmente sofre. Da mesma forma, a imagem dessas instituições normativas está sob prova no momento. A aceitação ou rejeição do formato como padrão ISO não pode ficar na dependência dos interesses de qualquer empresa que seja, independentemente de quem seja beneficiado ou prejudicado. A sociedade tem a primazia do benefício nesse caso, e é essa preferência que cabe a essas instituições resguardar.