O celular mais livre do mundo

Durante a Bossa Conference, a Linux Magazine conversou com Mickey Lauer sobre o primeiro telefone celular a contar com um kernel Linux e aplicativos também livres, o OpenMoko. Mickey está envolvido com o projeto desde o início; ele nos contou um pouco da história da idéia de fabricar um smartphone o mais livre possível, como a FIC se interessou pelo dispositivo e o que ele prevê para o futuro do aparelho.

Mickey Lauer

Linux Magazine» Como você se envolveu com o OpenMoko?

Mickey Lauer» Meu trabalho com o OpenMoko, na realidade, começou quando a HP entrou em contato com minha empresa para que instalássemos o Linux no iPaq. Esse trabalho foi muito bom, porque criamos mais e mais softwares para diversos dispositivos. Porém, o problema era que ainda não tínhamos uma plataforma para GSM. Alguns fabricantes de celulares já usavam Linux em seus aparelhos — Motorola, por exemplo — mas o único código que eles liberavam era do kernel, pois era obrigatório, enquanto os aplicativos eram proprietários. Ou seja, não era possível acrescentar nada a esses telefones, pois o código-fonte não estava disponível.

“A FIC tem como objetivo vender hardware, e eles sabem que um bom software é essencial para isso.”

Quanto ao hardware, também havia um problema. Tínhamos o projeto OpenEZ, que na realidade foi o que me fez entrar no projeto OpenMoko. O OpenEZX, mais especificamente, tinha como objetivo portar um kernel 2.6 para a plataforma EZX da Motorola, fornecendo ainda todo um conjunto de softwares livres sobre essa camada. No entanto, sem o apoio do fabricante do hardware, lutamos durante alguns anos e ainda não conseguimos grande progresso.

LM» E foi então que a FIC entrou?

ML» Sim. Felizmente, a FIC entrou em contato conosco para saber o que desejávamos. Após explicarmos que precisaríamos de uma plataforma de hardware aberta, a FIC concordou que isso poderia ser um grande projeto. Então, os dois lados concordaram em colaborar para tornar esse projeto uma grande empreitada.

Telefone OpenMoko inicializando

Com a plataforma em mãos, conseguimos em poucos meses o que não havíamos alcançado com o OpenEZX. E assim surgiu a OpenMoko Inc., com o objetivo de tornar o cenário o mais aberto possível. Infelizmente isso não inclui a pilha GSM, que, caso fosse aberta, impediria a certificação do telefone, que então não poderia ser habilitado em nenhum país, permanecendo como apenas um PDA. Até mesmo Richard Stallman concorda com essa exigência, então não acreditamos que seja necessário combater esse segmento especificamente.

Já em junho de 2007 conseguimos pôr à venda no mercado o primeiro protótipo do telefone, o Neo1973. Para nossa surpresa, e também da FIC, as 3 mil unidades se esgotaram em poucos dias. Ou seja, existe a demanda para esse aparelho.

LM» Quais os planos para o futuro?

ML» A próxima evolução do celular, o Neo Freerunner, deve ser comercializada daqui a aproximadamente dois meses. Mas fabricar hardware é bem mais difícil do que imaginamos. Há muitos pequenos detalhes que acabam atrasando o projeto em alguns dias ou semanas, e os prazos se estendem. Agora, finalmente, acreditamos ter um conjunto pronto para produção, o que deve ocorrer no final de abril. Liberamos todas as especificações possíveis, tanto de hardware quanto de software, e o aparelho terá todos os recursos mais desejados no mercado, com bluetooth, wi-fi, dois acelerômetros — ou seja, um grande playground para os hackers do Software Livre se divertirem e criarem novos usos e aplicativos.

Na realidade, nem eu imagino todas as possibilidades para esse dispositivo. Acho que exercemos somente uma pequena parte de todo o potencial da máquina. É verdade que temos um cliente SMS e um reprodutor multimídia, mas todos já têm isso. O valor do OpenMoko é exatamente prover uma base para a experimentação, para que os usuários possam implementar o que desejam que seus smartphones façam, promovendo a inovação.

LM» Como vocês pretendem promover o desenvolvimento de aplicativos adicionais para o aparelho?

ML» Desenvolvemos a interface gráfica do OpenMoko com componentes da GTK, Qtopia e Enlightenment, e ainda não sabemos ao certo em qual direção seguir. Mas temos certeza de que precisamos ter o middleware correto. Se essa parte estiver funcionando bem, será fácil conectar todos os outros componentes, como telefonia, GPS, rede sem fio e outros, tudo sobre uma interface fácil e conveniente. Então, no momento, o middleware é nosso foco.

LM» Quais partes do projeto são abertas? E quais jamais serão?

ML» A FIC tem como objetivo vender hardware, e eles sabem que um bom software é essencial para isso. Com uma plataforma aberta, acreditamos que serão desenvolvidos aplicativos realmente impressionantes e inovadores para esse celular, com grandes chances de impulsionar as vendas. Atualmente, a FIC não tem como competir com os maiores players do mercado de smartphones. Porém, se eles conseguirem conquistar o nicho dos desenvolvedores, talvez consigam começar a capturar a atenção dos interessados em tecnologia. Em seguida, nosso objetivo é que até mesmo os usuários não-técnicos também se interessem pelo aparelho.

A única forma de garantirmos a esse processo a velocidade que desejamos é tendo tudo aberto. E gostaríamos muito de ter todas as partes dessa máquina abertas, até mesmo os esquemas do hardware. Porém, na Ásia serão precisos dois meses para que esse hardware seja copiado por outros fabricantes e vendido a preços inferiores aos nossos, atrapalhando os negócios da FIC. Caso divulgássemos até os esquemas do hardware, esse tempo seria de duas semanas.

Ainda assim, disponibilizamos gratuitamente os arquivos CAD do projeto externo do aparelho, o que permite que os interessados criem seus próprios visuais para o aparelho.

Outra parte muito importante é o gerenciamento de energia. Nós conseguimos convencer aos engenheiros da FIC a publicar os esquemas da unidade de gerenciamento de energia do celular, pois todos sabemos que se trata de uma parte crucial do produto.

LM» Mas se o Neo Freerunner é compatível com um kernel Linux 2.6, ele também será compatível com concorrentes, como o Android, por exemplo.

ML» Teoricamente, sim. Entretanto, na prática, isso depende de dois fatores: em primeiro lugar, temos apenas binários do Android, que não foi oficialmente lançado. Além disso, o Android é feito para dispositivos ARM5, enquanto o OpenMoko, no momento, utiliza processadores ARM4. Isso significa que, ainda que se conseguisse rodar o Android no Neo Freerunner, ele provavelmente ficaria lento demais.

Em relação ao código-fonte, o Google liberou apenas os códigos que precisam obrigatoriamente ser liberados, enquanto nós contamos com Software Livre em todas as partes possíveis.

LM» O sistema do OpenMoko, atualmente, usa o projeto OpenEmbedded para gerar os binários, e teoricamente seria possível usar qualquer distribuição Linux no aparelho. O lançamento do Ubuntu Mobile and Embedded (UME) deve afetar de alguma forma o mercado do OpenMoko?

ML» Não. Já conversamos com os responsáveis pelo UME, e essa distribuição é destinada a UMPCs, dispositivos localizados entre laptops e telefones celulares. Ao menos no início, eles disseram não ter planos de portar o UME para smartphones. No entanto, se pudermos colaborar em algum momento no futuro, isso será ótimo.

LM» Existem planos de lançar uma versão do Neo Freerunner com menos recursos e custo mais baixo?

ML» É muito provável que venhamos a ter duas linhas de produtos no futuro. Uma delas provavelmente terá uma resolução menor, como WQVGA (428x240), e também incluiremos o suporte à transferência de dados por 3G. No final, deveremos ter um modelo mais barato que o atual e outro ainda mais poderoso que aquele que temos hoje, com uma tela maior e processador mais veloz.

LM» Quando o Neo Freerunner será comercializado no Brasil?

ML» A OpenMoko está procurando distribuidores, e já recebemos o contato de empresas brasileiras interessadas. A questão das tarifas de importação é grave, então, infelizmente não podemos garantir nada.